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domingo, 2 de outubro de 2016

Especial preparação Dodge V8: Dart Sharpening. Parte 1!


Por Alexandre Garcia

Prezados leitores, antes de darmos a partida, vale o recado: esta serie de textos tem algo a ver com os dois que publicamos a respeito dos Opaloitos, os Opala V8 (leia parte 1 e parte 2). Portanto se você detestou os outros, nem perca seu tempo aqui.

É só mecânica, alterações, modificações para tornar o carro mais legal de dirigir, mais rápido e melhor no geral. E de quebra não vai ter nenhum mimimi, um absurdo completo.

Desta vez, vou abordar diversos assuntos referentes ao Dodge Dart – menos modificações estéticas, alterações de estilo, conversões a GNV para economia, troca do motor original por outros menores, nada neste sentido.

Mas muito do que você vai ler nesta série é inerente aos carros Chrysler em geral: o que você vai ver aqui
sobre a plataforma (ou carroceria, no termo norte-americano) A, serve para a B e a E, que são todos primos bem próximos – bem como para os A body anteriores a 1966, os early A, que têm diferenças significativas se comparados aos mais modernos que tivemos aqui.


O que você vai ler tem a ver com coisas que eu fiz nesses últimos 33 anos em meus Dodges, como o Big Block Dart, o Project Cars #264 (ah, sim, e nos carros de um monte de outros caras que acharam que o melhor sujeito para mexer nos dodges deles era eu), todos os truques limpos e sujos, as coisas óbvias e outras nem tanto, que eu não gostaria que se perdessem.

O fiz pensando nos últimos moicanos, opa, digo Mopar Goodguys, que ainda teimam em existir por aí, para que possam, caso achem conveniente, fazer o mesmo nos seus queridos carros!

O objetivo sempre foi acelerar cada vez mais, ser cada vez mais rápido, mais estável, melhor em comportamento dinâmico, sem nunca perder o sentido de ter um carro de uso normal urbano, um automóvel de verdade. 

Não se trata de fazer um drag car exclusivo e dedicado, mas até pela própria origem e vocação do carro grande, parte do que foi feito tem relação com o uso em eventuais provas de arrancada: Drag Racing. Sim, eu sei, para um monte de gente Road Racing, Rally de velocidade, Oval e Fórmula 1 são muito mais legais. Ok, pro meu Dart e para o meu juízo de valor, não. 

Para quem nunca viu, há muitas e muitas luas cheias atrás eu tinha barba e cabelos pretos ainda. Na foto, bons amigos, num pódium que não existe mais, num autódromo que se foi. Este, na época era o grande motivo de tanto empenho e energia para modificar, melhorar e vencer. Ótimos tempos, grandes amigos, o que a gente tem de melhor na vida.




Às vezes ganhando…


Às vezes perdendo…

…Mas sempre aprendendo e procurando melhorar, ser cada vez mais rápido e melhor.

Eu procurei escrever sempre que possível, fazendo as dicas sempre simples, baratas, fáceis de fazer, sem peças exóticas, sem coisas ou processos fora do nosso cotidiano ou inadquiríveis por pessoas normais aqui no Brasil. Então é isso, vamos começar a bagunça.

Lembrando que, sinceramente, eu escrevo aqui o melhor das minhas experiências, relatando fatos, problemas e soluções que eu encontrei ao longo da minha jornada Mopariana, dos percalços e dificuldades que encontrei e das soluções que achei nos manuais da Chrysler, em fóruns, sites e em meus experimentos. 

Os relatos são feitos dentro da maior boa fé e retratam o que fiz e testei ao longo destes anos todos. Se por acaso você fizer e conseguir um resultado diferente do meu, não concordar, achar perigoso, suspeito, inadequado, não faça.

O meu objetivo é apenas relatar o que fiz bem como os resultados conseguidos. E lembre-se, modificando o seu carro você está por sua conta e risco, não cabendo depois tentar transferir à minha pessoa ou a qualquer outra a culpa por seu insucesso, fracasso ou acidente – ou por não gostar de algum resultado. Ainda não inventaram substituto adequado para bom senso, responsabilidade e civilidade ao volante.

Todas as modificações são bem explicadas, causa, consequência, naquele esquema de onde, o que, por que, pra que, quem, como, quanto, quando etc….mais mastigado, comentado, e detalhado vai ser difícil de encontrar por aí. Mas tudo isso vai valer de nada se você não for responsável e não dirigir o seu veiculo de forma segura e se comportar ao volante de forma responsável. É importante dirigir de forma séria e legalmente aceitável.

Monobloco e subframe connectors

Gostaria de começar pelo básico. Uma coisa que eu acho tão importante que não tem como deixar de fora e que ainda que pareça algo complicado, na verdade, é simples de fazer. Me refiro aos subframe connectors, ou elementos de ligação das longarinas do carro. De uma forma bem simples, temos quatro longarinas no dodge, duas dianteiras que começam no para-choque dianteiro e que terminam na altura da travessa que contém o calço do cambio, e as duas traseiras, que começam pouco mais à frente dos montantes dianteiros dos feixes de mola e que seguem até o para-choque traseiro.


Vamos verificar que as longarinas se ligam, tem continuidade natural em elementos transversais que ligam elas às caixas de ar, que são elementos estruturais do carro. Ou seja, nestes elementos transversais temos tensões geradas pelo próprio peso do carro, torções naturais da marcha do veiculo e da rolagem da carroceria nas curvas e por aí vai. 

Quando novos, nunca foram exemplos notórios de rigidez à torção, e o tempo – tanto pelas flexões e torções acumuladas quanto pela corrosão – só fez piorar isso. Como resolver? Com um par de elementos longitudinais que amarram a travessa onde terminam as longarinas dianteiras às pontas dianteiras das longarinas traseiras, formando uma espécie de elemento inteiriço.

Sabe aquela trinca teimosa que aparece no Dodge, às vezes na extremidade superior da coluna A, ou na base da mesma, próximo à “churrasqueira”, que você pede pro funileiro refazer quando vai repintar o carro e um tempo depois ela teima em reaparecer? Pois é, meu caro, é o monobloco dando um sinal bem claro que chegou a hora de fazer algo por ele, porque a integridade física dele foi atingida e está difícil de continuar.


Um teste simples e interessante a fazer para ver o antes e o depois: use o macaco de para-choques, e com o carro levantado até o ponto em que qualquer uma das rodas saia do chão, tente abrir uma das portas. Note o fechamento áspero e impreciso. Depois de instalar os subframes, refaça o teste e se surpreenda com os resultados.

Antes que alguém comece a achar que eu sou um iluminado por escrever isto aqui, eu lembro que nos manuais da Mopar Performance, as famosas bíblias de preparação que a Chrysler sempre vendeu aos clientes da marca, tem este procedimento detalhado e enfaticamente recomendado a qualquer pessoa interessada em melhorar um carro Chrysler com carroceria autoportante, tipo monobloco.


E do que é composto o subframe connector? Basicamente é um tubo quadrado, feito de chapa de aço carbono com especificação SAE 1020, aço comum, chapa preta, dobrado com as seguintes dimensões: 80 mm de largura por 50 mm de altura, com comprimento de 1.200 mm. Recomendo com entusiasmo que você meça seu carro antes de fazer os tubos, e que especialmente meça as pontas das longarinas traseiras, porque se trabalhar direito o tubo pode ser vestido nelas e permite uma boa área de soldagem. Normalmente as longarinas tem 76,20mm, 3” de largura, o interno do tubo que você vai fazer por lá deve ter esta exata medida, assim fica muito mais fácil de soldar tudo junto depois.

Veja que pode vir a ser feito das mais diferentes formas, podendo ir de um simples tubo quadrado, soldado apenas nas pontas, como uma ponte suspensa, até uma chapa em U, com as abas verticais cortadas de forma a se encaixar perfeitamente no assoalho do veiculo e sendo logicamente nele soldadas ao longo do assoalho.


Como vai ser feito tem a ver com a sua capacidade de trabalhar metais, mas já te adianto que as mais simples, como as que fiz em todos os meus carros, passaram por avaliação técnica em órgão creditado pelo Inmetro e foram considerados aptos a serem usados normalmente sem nenhuma restrição. Ou seja, é seguro e pode ser atestado formalmente como tal. As mais elaboradas, com as abas continuamente próximas e soldadas ao assoalho, só tornam o bom ótimo e ainda mais resistente, além de distribuir melhor as tensões.

As fotos abaixo ilustram bem o serviço concluído. À esquerda, um carro feito nos EUA, à direita, o meu carro.



Antes, bons equipamentos de solda portáteis eram bem mais raros e caros aqui. Hoje é bem mais fácil e se você for minimamente habilidoso pode comprar uma máquina de solda MIG e fazer todo este serviço em casa. Se puder, em soldas de responsabilidade, como estas dos subframes e várias outras que vão ser comentadas aqui, use sempre processo MIG. Esquentam e deformam muito menos que maçarico oxiacetileno, que é a outra opção aceitável. Na maioria dos exemplos e citações, o uso de eletrodo revestido não é viável ou desejável, ainda que em quase todos os casos seja até possível a um soldador habilidoso efetuar as soldas propostas.

Comento com entusiasmo que eu quis começar por este assunto porque entendo que não se começa a construir uma boa casa sem um alicerce adequado. Sem uma boa base que se possa confiar. E esta modificação super simples e barata de fazer assegura a paz de espirito necessária ao começo produtivo de um bom projeto.

Mais para a frente vamos tratar de cambio. E daí? Como bem sabemos, Dodges aqui só com 3 ou 4 marchas e mesmo hoje, com opções bem mais legais de câmbios com 5 ou 6 marchas (abaixo, um Tremec T56, de seis velocidades) ou automáticas com 4 marchas e Overdrive, sempre tivemos um ponto nos Dodges que atrapalham bastante a adaptação de outro câmbio: a travessa do cambio é estrutural e tem a ver com a ancoragem posterior das barras de torção dianteiras. Portanto, a travessa do cambio é elemento estrutural que tem muito a ver com a suspensão dianteira e que, de quebra, ainda amarra as duas caixas de ar do carro.


E isso aí ver com os subframe connectors? Tudo a ver! Os subframes, da forma proposta, têm uma função de amarrar as longarinas dianteiras e traseiras de forma paralela e adicional às caixas de ar. 

Como são soldados na travessa que ancora as barras de torção, dá mais rigidez ainda ao conjunto e ainda facilita a vida na hora de instalar outro tipo de câmbio que não seja compatível ou que, por ter mais uma marcha ou duas, não tenha as mesmas dimensões, ou seja, muito mais largo que o original na altura do calço do cambio e de sua travessa. 

Então, fazemos primeiro uma modificação que, além de extremamente valiosa por si só, ainda mais ali na frente, quando quisermos trocar ou modificar outros componentes, tal alteração vai nos ajudar ainda mais.

Suspensão dianteira e direção

Uma vez que já temos um monobloco adequadamente rígido, vamos à parte da suspensão dianteira. Claro, sistema de braços triangulares sobrepostos (a balança superior é um wishbone de fato, já a inferior consiste de um braço transversal mais um tensor longitudinal, assim formando três pontos de conexão), com barras de torção longitudinais como elemento elástico. 

Óbvio que o alinhamento recomendado pelos valores e dinâmica correntes em 1967, primeiro ano de fabricação do veiculo nos EUA hoje estão completamente inadequados à nossa realidade. Ou seja, se alinhar como outrora recomendado, você vai ter um carro ineficiente e impreciso. Como mudar e em que? Bom, primeiro vamos pensamos nos pneus, que hoje em sua quase totalidade são radiais. Pneus radiais em carros de tração traseira gostam de pouca convergência. Quanto mais próximo de zero, melhor.


Câmber e cáster são intimamente ligados por serem acertados nos mesmos ajustes. Como em carros modernos, estes ajustes inexistem em sua maioria ou são desvinculados uns dos outros, vale comentários explicativos aqui. Deixando bem claro: nos Dodges não é possível mexer unicamente em cáster ou câmber, mexeu em um, mexeu no outro. A balança ou braço de controle inferior, por ter função de ser a ancoragem frontal da barra de torção, não tem provisão de alteração com vistas a modificar ângulos da suspensão dianteira.

Ou seja, toda a fase de alinhamento é feito no braço superior. E sim, apesar de ter um tensor e uma bucha dianteira, não é nem um pouco recomendável mexer em nenhuma parte deste conjunto de braço inferior e tensor, para não alterar o alinhamento da barra de torção com o eixo de articulação do braço inferior no chassis.


No braço superior temos dois excêntricos onde o mesmo pivota. Ao se ajustar os dois para fora, tornamos o câmber positivo, para dentro, negativo. Ajustando o dianteiro todo para o lado externo e o traseiro para dentro, aumentamos o cáster ao máximo. Então a brincadeira é mexer com esses excêntricos para que possamos chegar ao nosso objetivo. Vale comentar que, como isso é coisa passada, poucos alinhadores tem noção de como modificar os ângulos.

O nosso objetivo perfeito e primordial é: câmber sempre negativo, cáster sempre positivo e o valor numérico em graus do camber será sempre que possível, metade do verificado no cáster. Assim, se vc conseguir, digamos -1,5° de câmber, uma medida bem simpática, tem que, dentro do possível, obter +3° de caster. Convergencia de, no máximo, 1 mm por lado, que já é quase que muito, como eu citei acima, 1 mm de convergência é o máximo que podemos ter nele com radiais modernos.

Nas fotos abaixo, podemos ver com clareza os elementos citados no texto e como fazer os ajustes. É necessário que se entenda que os métodos de fabricação eram muito menos precisos nos anos 60 e 70 e que variações grandes são normais se verificando um lado e o outro de um mesmo veiculo, ainda que completamente original e bem conservado.


Outro ponto muito importante: ao alinhar o carro, é importantíssimo verificar se o mecanismo de direção do veiculo está repartido corretamente. Ou seja, num carro com direção hidráulica, quatro voltas (se for com direção sem servoassistência original são cerca de sete voltas completas de batente a batente!) e obrigatoriamente tem que dar 2 voltas para um lado e 2 para o outro.

É um erro comum ao trocar, por exemplo, uma caixa de direção, ver depois da troca que o ponto central está fora do meio geométrico da direção, com, digamos, 1 e ¾ de volta para um lado e 2 e ¼ de volta para o outro. Isso se acerta abrindo e fechando as luvas que regulam a convergência do veiculo. 

E claro que, ao verificar isso, você já vai ter verificado se existe folga em algum terminal de direção, braço principal, auxiliar e pivôs bola de todos os braços de controle inferiores e superiores. Sem esta simples verificação não tem como se fazer nada direito na suspensão dianteira, direção e alinhamento do veiculo.

Com estes exames preliminares, você pode ter uma ideia boa do que precisa ser substituído, modificado ou alterado para fazer seu carro ficar correto na parte da suspensão.

A parte dos ângulos e um alinhador paciente para fazer tudo correto são fundamentais para um Dodge andar direito, ser estável direcionalmente e ao mesmo tempo ser equilibrado e bom de curva. Com os ângulos sugeridos não vai acontecer comportamento subesterçante por conta de atitudes incorretas das rodas: o carro vai se comportar de forma adequada.

Mas e se? E se o camber ficar positivo, se não for possível ajustar o caster, como fazemos? E se você for o feliz proprietário de um B body, que tinha freios a tambor na frente e que não tinha à mão nem os conjuntos corretos para freios a disco, nem a grana necessária para importar um, ou ainda por cima, não achou nada que servisse e no fim, ainda descobriu que por mais que os freios dos Darts nacionais coubessem, o câmber ficava negativo demais?

Primeiro, vale lembrar, Dodge usa sistema de barras de torção longitudinais na frente e elas trabalham no braço inferior da suspensão, ou seja, como a barra é concêntrica ao braço, ele deve ser sempre perpendicular a ela. O tensor, que não apresenta originalmente opção de regulagem exatamente por conta desta característica, nunca deve ser mexido, modificado, alongado ou encurtado. Ao alterar o tamanho dele, o braço deixa de ser perpendicular à barra e vamos ter problemas, fora a alteração direta da distancia entre eixos e, por consequência, alteração indesejada no diagrama de Ackerman.


Este braço inferior em si é tão importante e, ao mesmo tempo, tão associado a problemas que vou tratar um pouco só dele. 

A bucha é de suma importância, você sempre deve verificar o estado dela, é uma peça simples e relativamente barata, que NÃO deve ser substituída por outra que não seja a original. Eu “desrecomendo” com força o cenário de se usar buchas feitas de PU, nylon, alumínio ou outra coisa qualquer. A chance de dano ao braço e ao agregado são reais e consideráveis.

Ao desmontar para qualquer manutenção ou verificação, observar atentamente a sede do eixo do braço no agregado da suspensão dianteira, para ter certeza de não haver trincas.



Verificar atentamente o braço inferior, especialmente ao redor da área do embuchamento, porque é muito comum ter rachados ali. Como é uma peça de aço carbono simples, estampada, pode ser soldada sem maiores riscos ou problemas, já que não tem mais este braço dando sopa por ai, pendurados em arvores. 

Claro, não se pode querer soldar com qualquer maquininha de solda mequetrefe com o eletrodo mais fino possível. A solda é de responsabilidade e deve ser feita com equipamento adequado, seja eletrodo revestido ou MIG e por alguém que tenha um mínimo de certeza de saber o que está fazendo. O risco de quebra é real e o resultado de uma quebra completa pode ser catastrófico.

Se estiver meia boca, danificada, compre outra, original, desmonte o braço, faça a troca e recoloque o braço, atentando para somente apertar aquela porca da ponta do eixo do braço com o carro todo montado e de preferencia numa rampa de alinhamento, para que a porca seja apertada, e trave o eixo em sua posição final de uso. Se você apertar fora desta posição, desde a montagem inicial já compromete e encurta em muito a vida útil da mesma.

Vale lembrar também que o arranjo da suspensão por barras de torção permite ajustar a altura do carro facilmente, com o aperto de parafusos de regulagem de altura. Ao mexer com este item, sempre verifique detalhadamente se a altura dos dois lados do veiculo é a mesma, procedendo com as medições conforme ilustradas na foto abaixo.


Se você realmente não conseguir ângulos desejáveis no alinhamento e isto é até comum de ocorrer, ou você vai usar as buchas Problem Solver da Moog ou vai mexer na manga de eixo. As buchas excêntricas da Moog permitem ter um pouco mais de algum dos ângulos e deve ser instalada de forma a atender sua situação específica. Mas o ganho é muito pequeno, não permitem, por exemplo, um grau a mais de cáster ou de câmber.

Outro ponto importante é lembrar que estamos mexendo em um carro projetado nos anos 60, onde ninguém iria mesmo botar, digamos, + 4° de cáster e -2° de câmber, em um carro comum. Nesta cena, claro, o carro não tinha previsão para sair muito do alinhamento original, onde nenhum dos ângulos era maior que 1°. Logo, sempre que for executar o alinhamento, você vai achar ângulos pequenos e tímidos em termos de amplitude. Mudar muito requer trabalho e modificações. Se você souber o que fazer, vai longe, se não, vai estragar coisas boas ou corromper o alinhamento com erros grosseiros ou alterar outras coisas que não são legais.

Vale comentar também que estes ângulos diferentes dos originais propostos pelo fabricantes tem um inconveniente: aumenta a carga de trabalho na bucha do braço auxiliar. Portanto, saiba que a bucha dele vai ter a vida útil encurtada, ou no caso de um carro usado com componentes antigos, após o alinhamento, se deve sempre verificar se não há folga no braço auxiliar ou em sua bucha, sempre e periodicamente.

Há uma solução que ajuda muito. Modificar a manga de eixo pode ajudar ou até mesmo resolver completamente em uma situação especifica: você está com “muito” câmber, digamos -2°, e o cáster, mesmo com o excêntrico dianteiro todo para fora e o de trás também, em 0° ou +1°. Aí, se for por o de trás para dentro, o cáster pode até atingir um valor legal, digamos +3°, mas aí você estará com uns -3° ou mais de câmber. E agora?

Solução “suja” que resolve: tire e desmonte completamente a manga de eixo, coloque ela numa prensa de boa capacidade, aqui a de 8 ou 15 toneladas que você tem na garagem não vai resolver, e como a manga é em aço forjado, deforme ela um pouco (de novo, como é aço forjado a chance de quebra em uma deformação pequena é mínima), lembrando que a nossa diferença é de coisa de 2° ou 3° e que não desejamos muito mais que isso. Veja na foto ilustrativa abaixo como fazer, e depois remonte tudo. Você vai ter a grata surpresa de ver os ângulos como que num passe de magica, se ajustarem.

Se formos visualizar a situação descrita anteriormente, com -2° de camber com os 2 excêntricos para fora e o caster em 0°, você vai ter agora 0° de câmber, o que lhe permite mover o excêntrico traseiro para dentro, aumentando o cáster para +3° e ficando com -1° de camber. Este era o objetivo inicial. Claro, os valores são meio chutados para o exemplo, o que você vai conseguir vai depender muito do que estiver obtendo após as verificações iniciais.



Lembra do caso do B-body, que falamos lá em cima? A situação descrita realmente ocorreu. O carro tinha freios a tambor, tudo destruído, eu queria botar discos, não tinha como importar, não tinha aqui, tudo além de ser ridiculamente caro ainda ia me deixar com um bom problema nas mãos: ia sempre precisar de peças como reparos de pinças, pastilhas de freio e flexíveis que não existem aqui. Sempre dependendo de importar, de trazer de fora.

Colocar os conjuntos de Dart nacional me livraria de todos os problemas, mas o câmber atrapalhou a saída simples: tive que alterar as mangas como descrito. O resultado foi perfeito, o carro ficou com freios corretos e adequados e eu não vendi um rim para conseguir ter tudo como desejava. Funcionou, consegui e ainda vim aqui contar como fiz. Não fica mais fácil que isso não.

O quê? Um ogro horroroso desses, mequetrefe, malacabado, mandando eu tirar a manga do meu todo poderoso e querido Dodge Dart original até o último frisinho e ainda entortar ela na prensa? Para o mundo que eu quero descer, mimimi…

Pronto, eu sabia que isso ia acontecer e para não ter mimimi aqui, tem outro jeito: lembra daquela época da sua vida onde você tinha aulas de trigonometria com a tia Maricota? Pois é, ainda bem que você teve aula de trigonometria. Vamos dizer que você precise de apenas 2° de camber a menos do que você tem, está com -3° para ficar com o caster desejado de +3°, o que fazer? Lembra dos valores do seno do ângulo de 1°, 2° e de 3°? Não? Como não?! Relaxa, eu tenho eles aqui:

Seno de 1° = 0,0174524064

Seno de 2° = 0,0348994967

Seno de 3° = 0,0523359562

Seno de 4° = 0,0697564737

Seno de 5° = 0,0871557427


Como seno é cateto oposto dividido pela hipotenusa, pense que o cateto oposto é o que você precisa separar entre a manga de eixo e o pino bola inferior, e hipotenusa é a distancia entre o pino bola superior e a linha de centro dos parafusos que fixam a manga no pino bola inferior.

Logo se o comprimento desta hipotenusa é de aproximadamente 220 mm, o ângulo que você quer alterar é de digamos 1°. Multiplique a dimensão 220 por 0,017, que valem 3,74 mm e esta é a diferença que você deve retirar, por desbaste, torno, plaina, fresa, esmeril, o jeito que você preferir da superfície da manga de eixo onde o pino bola inferior se prende a ela. Automaticamente ao remontar o conjunto o seu câmber diminuiu.

Claro, se puser calços, a cambagem vai ficar mais negativa e a conta a fazer é exatamente a mesma. Vale lembrar apenas que 3,74 mm já é muito, então para um ajuste fino, no fim das contas serve, para tirar muita coisa melhor ir na boa e velha prensa. Ou seja, escrevendo bem claro: 1° de camber você muda com isso, mas mais que os 3 mm vão te por numa situação ruim, porque o pino bola encosta na manga e não dá aperto. Ou seja, não vai atingir o resultado desejado, não vai mudar a cambagem e ainda vai estragar a manga de eixo.

Aí a gente volta a fazer conta: o comprimento da distância da fixação do pino bola ao ponto de fixação da manga é cerca de 220 mm. Já por outro lado, a distância do centro da manga à parte onde fixa o pino bola superior é de cerca de 110 mm. Como esta é a distância total, a deformação é feita no ponto médio desta distância, e no caso, a parte a se usar para cálculo do quanto a deformar é de apenas 55mm. Ou seja, em um braço de comprimento de 220 mm precisamos de 3,74 mm na ponta para mudarmos um grau.

Numa peça de 55 mm, o mesmo grau vale apenas 0,935 mm, ou seja, 1 mm de deformação vale 1 grau e é possível alterar muito mais de 1mm, digamos que mudar o suficiente, para ter um câmber mais positivo em até 4° é plenamente possível, se necessário. E no caso podemos facilmente por o excêntrico dianteiro todo para fora, o de trás completamente recuado e ainda ter um câmber próximo de zero, ou digamos, +4° de caster e apenas -1° de camber, que é o que seria bem legal de usar na rua, sem muito desgaste de pneu e sem muito esforço no sistema de suspensão.

E de quebra ainda tem outro ponto a considerar: a manga de eixo tem uma articulação muito maior que a necessária, os pinos bola superior e inferior articulam muito mais que o necessário para o funcionamento normal do carro, logo esta sobra ajuda muito ao permitir modificar a manga sem sequer chegar perto do limite dos pinos bola ou ter algum elemento da suspensão chegando ao seu limite de movimento por conta da deformação proposta. 

Ou seja, depois de toda essa fanfarra trigonométrica, você descobre que mexer com aplainar ou diminuir a base da manga para diminuir câmber não é assim muito pratico não é mesmo? Assim, nem sempre o que parece ser mais correto ou menos agressivo é possível ou eficaz.

No próximo capitulo prosseguimos com a suspensão traseira, o eixo rígido e o cardã. Até lá!

Phonte: Flat Out

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